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12/07/24 - 5 minutos de leitura
Escola de Fotógrafos Cegos: muito além da imagem
Com o patrocínio da ES Gás, empresa do Grupo Energisa, exposição itinerante em cartaz no Espírito Santo desafia percepções e celebra a inclusão através da fotografia
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12/07/24 - 5 minutos de leitura
Escola de Fotógrafos Cegos: muito além da imagem
Com o patrocínio da ES Gás, empresa do Grupo Energisa, exposição itinerante em cartaz no Espírito Santo desafia percepções e celebra a inclusão através da fotografia
Um cego pode fotografar? Essa talvez seja a pergunta mais recorrente ao longo das exposições. As oficinas da Escola de Fotógrafos Cegos ensinam o uso técnico da câmera, aberturas de luz, diferenças entre as lentes e captação, conversas sobre composição de imagem com a presença constante de um assistente vidente para cada fotógrafo cego. É nessa linda relação marcada pela descrição oral do ambiente que a ideia da foto se forma na cabeça do fotógrafo e é traduzida em imagem. Aquilo que para muitos poderia ser uma limitação vira um trampolim para um salto metafórico que transforma a imagem final em arte.
Quem está por trás desta iniciativa é Rejane Arruda, uma visionária do não ver. Ou melhor, alguém que vê usando os outros sentidos. Atriz com uma trajetória intimamente ligada à fotografia e ao vídeo, tendo sido professora de fotografia na Universidade de Vila Velha, ela vem desenvolvendo um trabalho pioneiro no Brasil com a Escola de Fotógrafos Cegos.
Tudo começou em 2021 com uma série de oficinas para os primeiros fotógrafos cegos, em um projeto financiado por meio da Lei Aldir Blanc proposto pela SOCA Brasil, associação cultural fundada por Rejane. A experiência foi bastante intensa tanto para a professora quanto para os alunos, demonstrando não apenas que a arte é um instrumento de inclusão social, mas também que a inclusão é um instrumento de invenções no campo das artes.
Com esse espírito, Rejane decidiu buscar apoio para continuar. Em 2022, por meio da Lei de Incentivo à Cultura Capixaba, a SOCA Brasil pode consolidar sua Escola de Fotógrafos Cegos graças ao patrocínio da ES Gás, distribuidora de gás natural adquirida pelo Grupo Energisa em 2023. Com oficinas durante um ano, a escola formou uma inédita turma com 12 fotógrafos cegos.
É muito importante enfatizar que eles são totalmente cegos, sendo 6 de nascença e 6 com cegueira adquirida ao longo da vida. Portanto, 6 nunca viram uma imagem e, mesmo assim, têm até teorias sobre a imagem. É um projeto que articula saberes, não se restringindo apenas à técnica, mas procura transmitir conhecimento para pessoas com deficiência visual”, contou Rejane.
Desde então, esse coletivo vem realizando exposições em diversas cidades do Espírito Santo. A primeira exposição, “Quando Fecho os Olhos Vejo Mais Perto”, estreou em Vitória no final de 2022.
Para a fotógrafa e pensadora Charlotte Cotton, referência para Rejane, “o ato da criação artística começa muito tempo antes de a câmera ser efetivamente fixada na posição adequada e a imagem ser registrada, uma vez que se inicia com o planejamento da ideia criativa”. Com esse pensamento, de que a imagem se forma dentro da cabeça antes de se formar com a visão, a Escola de Fotógrafos Cegos descoloniza o olhar, colocando outros sentidos a serviço da fotografia. Em uma arte tida como unicamente visual, a descrição oral da cena por parte de ajudantes videntes permite que a fotografia transcenda a própria visão.
A transmissão via oral é fundante e eles trazem essa experiência. Um dia, uma mãe ensinou: ‘Minha filha, isso é o azul.’ Mas a criança respondeu: ‘Mãe, eu não enxergo o azul. Não sei a diferença entre o azul e o vermelho, para mim tudo é liso. Como vou entender a diferença?’ A mãe explicou: ‘Minha filha, o azul é o céu. O azul me transmite calma, uma sensação de infinitude.’ Assim, a criança começou a entender e gostar do azul. Conhecemos cegos hoje que descrevem as cores assim: ‘Eu estou com uma blusa azul,’ mesmo sem vê-las, porque alguém usou a linguagem para explicar e aquilo marcou a subjetividade dessa pessoa. Pode ter sido a mãe, uma bibliotecária, ou outra pessoa fora do círculo familiar que transmitiu essas informações sobre o azul e o vermelho", explicou Rejane.
A oficina flui comentando as imagens dos fotógrafos num discurso objetivo, mas transbordado de poesia. No relato da imagem, é possível dar dicas de como mover a câmera para conseguir um outro ângulo ou uma diagonal mais exata, ou como dispor os objetos em cena para alterar a própria geometria do espaço.
A forma como descrevemos é fundamental. Precisamos dar essa devolutiva para eles e problematizar toda a produção. Hoje, temos uma equipe de audiodescritores realizando pesquisas conosco. Por exemplo, o projeto destinado a Vila Velha inclui uma nova oficina, e a exposição em 6 cidades do Espírito Santo oferece um workshop no dia da inauguração”, comentou Rejane.
A ES Gás acredita na importância de investir na cultura local para fortalecer os laços com a comunidade e contribuir na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. Esse projeto pioneiro é a representação disso, potencializando a inclusão por meio da arte da fotografia. E falar de fotógrafos cegos pode parecer inacreditável, mas as obras são lindas e com uma imprevisibilidade no olhar que todos precisam conhecer”, disse Fabio Bertollo, diretor-presidente da ES Gás.
O trabalho com as escolas e estudantes é um marco para o projeto. Fomentar a arte e a inclusão nos mostra a importância de conviver com a diferença, com a pluralidade e a diversidade. Em ambientes escolares cada vez mais tomados pelo bullying, saber perceber e valorizar as diferenças é um enorme feito para criar um espaço de aprendizado (e um mundo) mais justo e acolhedor. Todo esse impacto em pouco tempo só desperta o desejo de ir ainda mais além com o projeto.
Somos muito gratas à Energisa e à ES Gás por serem solidárias ao projeto. Por gostarem, por estarem ali de coração, por terem escolhido a gente e reconhecerem o valor inovador que o projeto tem. É um projeto que transforma tanto a vida dessas pessoas quanto a vida das famílias. São projetos que encantam e é por isso queremos expandir para todo o Brasil. Recebemos perguntas de pessoas do Rio de Janeiro e São Paulo, bem como de outras regiões, pedindo para levarmos a nossa iniciativa para lá”, finalizou Rejane.
Se entre 1996 e 1998, o artista Cao Guimaraens foi levado por amigos para fotografar vendado cidades desconhecidas, formando um conjunto de imagens às cegas, a Escola de Fotógrafos Cegos promove esse trabalho no século XXI com pessoas cegas, levando a interação com a fotografia e a relação com a imagem a novos e imprevisíveis desdobramentos.
Foto de capa: fotógrafo-cego Jonatas Sobral na EFC, por Enzo Rodrigues.
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